Das revoluções do ser

(Inspirado no dia de hoje)

Eu tinha 12 anos... não, eu tinha bem menos. Preciso começar de antes.

Eu lembro da voz do Eli Correa no rádio que ficava no armário azul na casa da minha vó. 

Eu sentada na cadeira em frente meu avô, enquanto ele comia caldo de feijão com farinha de mandioca e suco de limão. 

Minha vó servia um copo com caldo de mocotó, que até hoje eu lembro do cheiro característico. 

O programa do Eli Correa se misturava um pouco com o programa do Gil Gomes, que anos mais tarde apareceria na tv e permearia meu imaginário com suas histórias macabras. 

Não lembro quantos anos ao certo eu tinha, mas tudo isso ainda está muito vívido em minhas lembranças aos 35 anos.

Voltamos aos 12 anos...

Muita coisa aconteceu. 

Meu avô se foi e com ele, as histórias que eu gostava de ouvir sentada na mesa que combinava com o armário, em frente a tv na sala ou no banco de madeira na calçada que ele mesmo fez. 

Muita coisa aconteceu.

Eu ainda queria saber mais histórias e mais que isso, queria fazer parte da história que tanto me contavam.

Meus pais me contaram sobre as rebeldias do final dos anos 70, o fim da didatura, os altos e baixos da política e as filosofias dessa vida, desde os gregos até aqueles dias. Os movimentos estudantis, os hippies, os trabalhadores proletariado, as feministas, os artistas do teatro e da tv com quem eles convivam, os políticos... 

E isso permeava meu imaginário.

Eu quis ser rebelde. Eu tentei.
Minhas referencias eram claras demais. 
Eu queria revolucionar algo, não tinha ideia que iria revolucionar a mim mesma tantos anos depois.

15 anos.
Matinê, festas raves, cigarro, vinho barato.

17 anos.
Banda de punk e hard core, coturno, faixas com palavras de ordem, jaquetas de couro, amigos.

18 anos.
Faculdade, balada, sexualidade controversa, vodka.

20 anos.
Militancia mais madura, decisões devem ser tomadas, não são.

23 anos.
Formatura, decepções, drogas.

25 anos.
Decepções.

27 anos.
Depressão, Síndrome do pânico, revolta.

28 anos.
Mãe.

34 anos.
Vó, a senhora se foi. 

O cheiro característico do caldo de mocotó não sai da minha mente e nem a voz do Eli Correa, nem do Gil Gomes. Nem a voz do meu vô contando as historias do meu pai e os amigos dele ouvindo os vinis na sala da sua casa. 

Apesar de tudo, eu ainda consigo me lembrar de muitas situações, lembro também das situações em que eu decidi estar, mesmo que me fizessem sofrer de alguma forma.

O barulho das bombas ecoam em minha mente, o cheiro de pimenta forte me lembra gás, mulheres machucadas me fazem tremer, choro de criança me faz chorar.

Minha revolução é reflexo de evolução social, protestos, luta, luzes de strouble, musica alta, a voz do Gil Gomes, cinema, teatro, filhos, viagens, decepções, superação.

Tenho 3 décadas de visão das revoluções do ser.
O que exatamente tais experiencias tão pessoais, tão intríssecas, podem mudar no mundo?
Onde estaremos daqui 3 décadas depois de tantas decepções, rebeldias, mudanças?

Será que daqui 3 décadas serei capaz de lembrar da voz do meu avô, do Eli Correa?
Será que o que somos hoje é exatamente reflexos daquilo que vivemos? Então quem seremos daqui 3 décadas?

Não há certezas. Nunca houveram.

Os artistas permacem, as rebeldias juvenis, as danças, os vinhos baratos, os pais preocupados, a sociedade marginalizando e hostilizando aqueles que querem mudanças.

Seguimos resistindo.

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