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Para ler ouvindo: When I R.I.P - Labrinth
Não sei se é raiva, sangue ou só o refluxo da rotina me voltando pela garganta.
Levanto porque sou obrigada a viver. Porque o mundo não espera. Porque o relógio não pergunta se eu quero continuar existindo.
Levanto no automático, feito máquina com ferrugem, cumprindo função em um sistema que me consome — que me exige entrega quando só me resta caos.
Eu me tornei uma espécie de carcereira de mim mesma.
Trancada dentro de casa, dentro do corpo, dentro da cabeça.
A cada tarefa cumprida, uma parte de mim grita em silêncio: “eu não aguento mais”.
Mas ninguém ouve. Ninguém quer ouvir. Porque o mundo só aplaude quem sobrevive fingindo que está tudo bem.
Dizem que sou forte. Que dou conta. Que sou guerreira.
Mas a verdade é que eu só existo por teimosia e responsabilidade.
Vivo por obrigação. Respiro por contrato. Me coloco nas trincheiras dessa guerra, sem querer.
Estou presa à maternidade como quem segura a borda do penhasco com os dedos em carne viva.
Minha cria é o que me resta de amor — e mesmo assim, às vezes, esse amor me pesa. Porque me vejo sendo metade. Presente, mas esgotada.
Protegendo ele do mundo, enquanto sou engolida pelo meu.
Eu tenho vontade de gritar. De sumir.
De dormir por uns três anos e acordar sem esse peso, sem essa cobrança, sem essa porra toda que me suga e ainda exige gratidão.
Mas eu continuo. Engulo o choro. Sorrio pro mundo.
E se escrevo isso, é porque não posso quebrar os pratos, nem meter o pé na porta, nem dizer “foda-se” e ir embora pra longe.
Hoje, escrever isso é o que me impede de desabar de vez.
É pouco. Mas é meu.
E talvez seja o suficiente pra me manter viva até amanhã.
E talvez amanhã eu escreva de novo, só pra continuar.
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