Fonte dos desejos

Contrastes


Ainda sinto o gosto do café amargo que tomei ontem pela manhã. E ainda não quero sair da cama. Ainda não vi o dia clarear e nem a chuva cair e nem a noite chegar. Ainda tenho perguntas sem respostas e repostas para perguntas que nem fiz. Tudo do avesso e o avesso debaixo do colchão virado no quarto. Não, o estomago não dói mais. Mas os dentes doem mais que tudo no mundo, me deixando com dores absurdas na cabeça inteira. Pés gelados parecendo concreto molhado. Aquele em que eu não piso há meses.

Eu não via a grandeza dos problemas alheios até compará-los aos meus próprios. E senti dó de mim mesma. Dó por ser tão pequena, infantil e obcecada pelo meu ego. Nem métodos e nem éticas seriam capazes de me tirar da angustia das camas alheias. O cinzeiro estava bem cheio e fedido. As figuras já começavam a me assombrar. Aquele rosto me perseguia e o toque daquela mão inexistente congelava minha espinha. Eu nem dormia mais. Eu ficava inventando personagens a noite toda e vivia elas num teatro macabro dentro da minha mente. Traçando cada linha da minha própria histórinha de ninar.

Ouvindo músicas que seriam trilha sonora do meu filme de terror. E o assassino seria eu mesma. Dormi por alguns instantes, sonhando contrastes, sonhando aventuras incriveis com jóias raras. Por incrivel que pareça tudo era terminado em euforia.

Nesses sonhos, onde eu pisava eram flores vivas e nuvens fofas, que iam apodrecendo e virando tempestades. Nada fazia sentido se o sentido fosse a podridão do meu ser inconstante e bipolar. Talvez fizesse sentido demais.
Eu acordei querendo pular no mar e me deixar levar. Eu fui para o mar e não tive coragem. As ondas eram mais intensas que meus sentimentos e que minhas forças. Eu não tive coragem.
Foi quando a realidade me iluminou e me deu cores. Que queriam dizer aquelas cores?
Minhas perguntas mudaram de direção.
Mudaram todas as pontuações, os questionamentos.

Eu nunca havia duvidado da fé e nem de Deus. Apenas questionava as instituições e o homem.
Agora eu estava duvidando de mim mesma.
Os olhos que me observavam tão aflitos me lembravam o caos em que vivi tantos anos. Eram meus olhos sucumbindo ao temor.
Eu nunca havia duvidado da vida.
Então eu sai do quarto. Me livrei das imagens, da mão inexistente, dos olhares...

Eu me sentia sã.
A navalha gritava em minhas mãos.
O sangue se misturando com as lágrimas.
Eu queria que a dor de cabeça passasse.
Era forte e me fazia tremer e temer pela vida dos que me rodeavam.
Eu me sentia finalmente sã.

Raras jóias vermelhas.
O sangue clareou. Manchou o lençol branco. A camisola vermelha, o chão acinzentado.
Foi então que me vi em mar aberto.
Entre nuvens e contrates e personagens do meu teatro.







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