Fonte dos desejos

Cartas para Ana - 3

 SĂŁo Paulo, 2025

Ei,

Hoje vocĂȘ voltou pra mim.
E nĂŁo foi numa lembrança borrada — foi inteira, em Technicolor.

Vi vocĂȘ entrando no vagĂŁo do metrĂŽ com pressa, maquiagem meio torta e o coração batendo no ritmo da playlist que tocava no fone.
Vi seu coturno pisando firme no chĂŁo da cidade, como quem desafia o destino.
Vi a jaqueta de couro surrada — aquela que jĂĄ viu mais beijos do que palavras.
Vi a calça jeans rasgada, regata justa, aquele corpo magrelo e invencível,
com o cabelo tingido dizendo sem pudor: “eu sou quem eu quiser ser.”

VocĂȘ era fogo andando em carne viva. Era riso alto na Augusta.
Era cigarro emprestado e copo dividido no Dida. Era um taco de sinuca mirando a bola 8.
Era olhos fechados na pista, braços pro alto, boca cantando o refrão mais cafona como se fosse oração.

VocĂȘ me assombrou hoje. E nĂŁo com dor — mas com saudade.
Com aquele gosto bom de liberdade suada e vazia, tĂŁo inĂștil, tĂŁo urgente, tĂŁo vocĂȘ.

Queria te dizer que sinto falta de ser vocĂȘ.
De nĂŁo pedir licença. De andar sozinha Ă  noite como se SĂŁo Paulo fosse minha.
De responder mensagem dizendo “chego em 10” e sair correndo com o rĂ­mel ainda molhado.
De dançar sem pensar se alguĂ©m tava olhando. De me sentir bonita sĂł por estar viva.

Talvez eu tenha deixado tudo isso pra trĂĄs. Ou talvez eu tenha sĂł esquecido como Ă©.
Mas agora que te vi de novo, eu quero lembrar.
Quero reconquistar o meu corpo, meu ser. Quero achar a mĂșsica certa.
Quero dançar, nem que seja só na cozinha, de olhos fechados.

Se vocĂȘ ainda puder, me espera numa esquina dessas da vida.
A gente se encontra. E dança atĂ© doer.

Com saudade e respeito,


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